sexta-feira, 16 de maio de 2014

O medo como consolo...

Vizinhança evita passar informações após a chacina que matou cinco em Marechal Rondon

Grupo invade casa onde funcionava terreiro de candomblé, mata quatro a tiros e toca fogo. Uma quinta pessoa que estava na casa não consegue escapar e morre após ter 90% do corpo queimado. Polícia acredita em represália por prisão
16/05/2014 07:09:21


Após a chacina, os olhares desconfiados e o silêncio dos moradores predominavam, ontem pela manhã, na comunidade de Baixa do Dique Pequeno. “Eu não moro aqui. Passei só para tomar o café com a minha mãe e minha irmã, que ontem à noite estavam na igreja. Vim saber do ocorrido hoje, às 6h”, disse uma mulher, dentro da casa vizinha à do pai de santo.

Um rapaz que conversava com outras pessoas da rua disse que não viu nada. “Trabalhei a noite toda e cheguei só agora”, disse. Após insistência do CORREIO, ele foi taxativo: “Aqui não se fala nada, me desculpe”, finalizou. “Rapaz, quando cheguei aqui, já estava tudo feito. Sei de nada não”, disse um senhor antes de bater a porta.

Já um pastor chegou a falar, mas desconversou ao perceber que todos ao seu redor o olhavam com reprovação. “Era uma boa pessoa... Mas preciso adiantar”, disse ele, sem querer estender a conversa.
Sala da casa totalmente destruída pelo fogo. Depois de atirar contra quatro pessoas, bandidos jogaram coquetel molotov no imóvel. Quinta vítima morreu por queimaduras (Foto: Almiro Lopes)


O crime
Entre as paredes consumidas pelo fogo, o corpo da empregada doméstica Maria da Paixão Pereira, 65 anos, é encontrado abraçado à filha, Jandaíra Pereira dos Santos, 28. Os corpos parcialmente carbonizados estavam sobre os restos de um sofá em uma casa em Marechal Rondon. Assim como mãe e filha, outras três pessoas, entre elas o outro filho de Maria, o pai de santo Jackson Pereira dos Santos, 26, foram vítimas de uma chacina, na noite de quarta-feira.

A mãe, os dois filhos e uma mulher ainda não identificada foram assassinados a tiros e tiveram os corpos queimados no incêndio que atingiu a casa e  também o terreiro de candomblé que funcionava no quintal da casa, na rua Lígia Maria, na localidade de Baixa do Dique Pequeno. A quinta vítima, Cláudio dos Santos Reis, 39, escapou dos tiros, mas não do fogo. Ele chegou a ser internado, com 90% do corpo queimado, no Hospital Geral do Estado (HGE), mas morreu na manhã de ontem.

Segundo a polícia, a chacina foi cometida por três bandidos que invadiram o local já atirando, por volta de 19h30. Ao sair, ainda jogaram um coquetel molotov no imóvel, que acabou provocando o fogo, e fugiram em um Gol preto.

Minutos depois, outro comparsa chegou à casa, em uma moto Honda CG 125 (JPL-8812), para se certificar da morte da família. Segundo testemunhas, que o identificaram como Bambam, ele foi abordado por vizinhos, que resolveram enfrentá-lo, e chegou a ser ferido com uma facada no ombro. 

O fogo foi finalmente contido pelos próprios vizinhos, que acionaram a polícia. Maria foi encontrada no sofá, abraçada à filha, ambas com os corpos carbonizados. A outra mulher estava caída ao lado do sofá, e Jackson estava num dos quartos.



Motivação

A polícia trabalha com a hipótese de que a família foi executada em represália à prisão de um traficante realizada dentro da casa, horas antes do atentado. Daniel Freitas dos Santos, o Gordo, 22, era perseguido por policiais e, baleado, invadiu o terreiro para tentar fugir, mas acabou preso.  Ainda de acordo com a polícia, ele pertence à quadrilha de Índio.

Ontem à tarde, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) identificou os executores como sendo Denilson dos Santos Ribeiro, o DKA, Evandro de Oliveira Ramos e um terceiro de  vulgo Urso, identificados como os executores. Índio e Roni, líderes do tráfico na região, são apontados como mandantes do crime.

De acordo com o delegado Odair Carneiro, titular da Delegacia de Homicídios Múltiplus (DHM), do DHPP, 12 pessoas  foram ouvidas, ontem, mas ninguém foi preso.

Testemunha
“Minha mãe morreu tentando proteger minha irmã”, lamentou, ontem de manhã, o irmão de Jackson e Jandaíra, o catador  Emmerson Pereira, 43,  enquanto olhava desolado para a casa do irmão destruída.

Ele estava num bar, a 50 metros da casa, na hora do crime e  conta que viu quando os bandidos chegaram. Segundo ele,  três deles estavam encapuzados. “A rua ficou deserta. As pessoas correram. Eu fiquei no bar, com medo. Mas, quando vi que iam na direção da casa de meu irmão, fui atrás”, contou.

O catador de material reciclável disse que no trajeto até a casa escutou vários tiros. “Quando cheguei, já tinham matado todos e se preparavam para jogar o coquetel molotov na casa. Foi quando pedi: ‘Pelo amor de Deus, minha mãe e meus irmãos estão aí dentro!’. Mas eles não quiseram saber e um deles disse pra mim: ‘Cale a boca sua desgraça! Quer ser o próximo?’”, relatou. “Não pude fazer nada. Daí alguém me puxou pelo braço e me tirou dali”, contou, ainda emocionado, apontando para o que restou do imóvel.

Questionado se reconheceu algum dos criminosos, em especial o que não usava brucutu, Emmerson disse que não. “Estava tudo muito escuro. A lâmpada do poste em frente à casa do meu irmão estava quebrada”, justificou. 

Ele lembrou que havia deixado a casa algumas horas antes. Quando saiu, a mãe assistia à TV no sofá, o irmão Jackson prestava consulta a Cláudio e à mulher ainda não identificada, enquanto a irmã, Jandaíra, limpava no quintal o sangue de Gordo, que havia invadido o terreno pelos fundos. “Eles mataram minha família acreditando que meu irmão tinha ‘caguetado’ um deles à polícia”, afirmou Emmerson.

Aposentada
Amparado por moradores, Emmerson disse que a mãe morava na localidade há mais de 43 anos e recentemente ela teve o pedido de aposentadoria deferido. “Ela trabalhou muitos anos na casa de madames e nem chegou a receber o primeiro benefício da aposentadoria. Ela sempre criou a gente sozinho, desde pequenos, quando nosso pai nos abandonou”, lamentou o catador, um dos seis filhos de Maria.

A irmã dele, Jandaíra, trabalhava como comerciária e o irmão Jackson havia montado o terreiro de candomblé no quintal da casa havia menos de um ano. “Os atendimentos eram diários, mas o terreiro ainda não tinha nome. Nem era registrado pela prefeitura. Ele estava buscando isso”, explicou o irmão.

Violência
O comandante da 9ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM-Pirajá), o tenente-coronel Jassilandro Nunes, disse que costumeiramente policiais da unidade trocam tiros com os bandidos na rua Lígia Maria, onde ocorreu a chacina. “Temos cinco a seis autos de resistência ali no mês”, disse, referindo-se aos mortos pela polícia em confrontos. “Eles reagem, mesmo. Apreendemos muitas armas, coletes. Já vou fazer três anos nessa região”, pontuou.  

Até a  noite de ontem, a quinta vítima não tinha sido identificada, segundo assessoria do Departamento de Polícia Técnica (DPT).

Nenhum comentário:

Postar um comentário